Maternidade, de Sheila Heti

 A maternidade é uma obrigação? Toda mulher nasce para ser mãe? Quais são os benefícios que uma mulher recebe ao conceber um filho? E as consequências de não ter? São perguntas como essas que movem o romance Maternidade, da autora canadense Sheila Heti e publicado no Brasil pela Companhia das letras com tradução de Julia Debasse.



"Se eu quero ou não ter filhos é um segredo que escondo de mim mesma - é o maior de todos os segredos que escondo de mim mesma."
Durante uma roda de conversas entre amigas, a personagem central deste romance fica diante de uma questão: quando elas se tornarão mães? A partir disso é que a narradora, uma escritora de Toronto aos 37 anos de idade, entra numa reflexão profunda ao discutir se engravidará ou não. Em meio ao avanço dos anos, ela entrará em debate não apenas consigo mesma, mas também com as amigas, médicos, o próprio companheiro Miles, o qual já possui uma filha de 12 anos de um relacionamento anterior, e também com os seus antepassados, afinal, trata-se de uma escolha que dará continuidade também as gerações de sua família. Sua avó, húngara, foi uma sobrevivente de Auschwitz e morreu de câncer aos 53 anos; a mãe dedicou-se a carreira médica, delegando as tarefas domesticas e de criação dos filhos ao marido. 

Para ela, tanto a maternidade quanto a arte da escrita constituem-se em atos de criação, dessa forma, ela teme que uma desvalide a outra; que ao ser mãe perca a criatividade da escrita, sua grande paixão. Alguns amigos enxergam as alegrias da maternidades, outros a veem como um sacrifício. E caso ela abra mão de filhos, a sociedade obviamente gostará de saber qual o motivo da escola, por isso que ela tem a ideia de escrever um livro sobre o assunto.

"Por que continuamos tendo filhos? Por que era importante para o médico que eu tivesse um? Uma mulher precisa ter filhos porque ela precisa estar ocupada. Quando penso em todas as pessoas que querem proibir o aborto, isso parece significar apenas uma coisa: não é que eles queiram uma nova pessoa no mundo, o que eles querem é que aquela mulher tenha o trabalho de criar um filho, mais do que querem que ela faça qualquer outra coisa. Há algo de ameaçador em uma mulher que não está ocupada com os filhos. Uma mulher assim provoca certa inquietação. O que ela vai fazer então? Que tipo de problemas ela vai arrumar?"

O romance de Sheila Heti é, em sua maioria, dominado por questionamentos ao invés de cenas em si. A personagem usa do sistema de adivinhação chinês chamado I Ching, a partir de três moedas, para encontrar as respostas sobre seus questionamentos, onde o oraculo responde com sins ou nãos. São perguntas sem fundamento como: "E aqueles rolos de fita colorida que Erica me deu, ali naquele canto. Devo usá-los de alguma forma?", à perguntas mais profundas como: "Estou conduzindo meus relacionamentos da forma errada?", "O que deve definir o ruomo da sua vida? Os seus valores?" e "Se eu tiver um filho estarei plenamente realizada?", numa esperança de que uma força superior lhe ofereça as soluções corretas a seguir. Às vezes funciona, em outras fica sem sentido.

As sessões do livro recebem títulos como "Sangramento", "TPM", "Folicular" e "Ovulando", sugerindo os períodos físicos intrínsecos ao gênero feminino e voltados para a reprodução.

Maternidade, de sheila heti

Julgo Maternidade um romance que discute mais uma causa do que foca na construção de um romance tradicional, pelo contrário, a forma é também repensada pela autora, tanto pelas moedas jogadas, quanto pela inserção de pinturas e fotografias que fazem ligação direta com o que a personagem central está realizando ou questionando. O que, para quem gosta de um romance com enredos envolventes, pode ser uma leitura frustrante, cansativa e por vezes repetitiva, uma vez que a meditação filosófica abarca o romance. Por outro lado, as discussões levantadas geram questionamentos pertinentes e de identificação, principalmente para outras mulheres que passam pela mesma pressão da maternidade.

Quando eu era mais jovem, pensando se queria ter filhos ou não, sempre voltava a essa fórmula: se ninguém tivesse me falado nada sobre o mundo, eu teria inventado os namorados, eu teria inventado o sexo, as amizades, a arte. Eu não teria inventado a criação de filhos. Eu precisaria inventar todas essas coisas para satisfazer meus anseios reais, mas se ninguém jamais me contasse que uma pessoa é capaz de produzir outra pessoa, e criá‑la até que ela se torne um cidadão , isso jamais teria me ocorrido como uma forma de passar o tempo. Na verdade, soaria como uma tarefa a ser evitada.

O grande motivador do livro realmente é a decisão: ela irá escolher ter ou não filhos? Uma pergunta quase que respondida nas primeiras páginas, onde a escritora está numa contagem biológica regressiva para o fim do tempo fértil de uma mulher. Ela sabe do que abrirá mão, independente da escolha que fará, e está ciente das consequências.  Algo que todas deveriam fazer por conta própria e sem as predefinições sociais. No fim, o livro que a personagem escreve, é a resposta e justificativa de sua escolha.

maternidade sheila heti, companhia das letras

Embora tenha mais questionamentos do que enredo e seu tema fique redundante em algumas partes, Maternidade é um romance que nos conecta com os anseios e medos da personagem central em relação à uma opção que não só gera vidas, mas também as mudam. E põe em cheque discussões de gênero numa sociedade que possibilitam ao homem uma escolha sem as mesmas consequências para as mulheres.

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Ficha técnica

MaternidadeTítulo: Maternidade
Autora: Sheila Heti
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Julia Debasse
Edição: 1
Ano: 2019
ISBN: 9788535932041
Gênero: Romance canadense
Páginas: 312
Resenha de número: 433

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