A queda para o alto, de Anderson Herzer

Natural de Rolândia, no Paraná, aos quatro anos de idade, Anderson Herzer recebeu a notícia de que seu pai fora assassinado, pouco tempo depois, ainda na primeira infância, sua mãe também iria lhe deixar. A história que começa triste está narrada no livro A queda para o Alto em que o autor traz textos e poemas autobiográficos relatando os seus dias, principalmente quando passou a viver na FEBEM (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) na cidade de São Paulo - SP durante a década de 1970.


Anderson Herzer passou a viver com os tios após virar órfão. Todavia, o relacionamento com eles não era dos melhores; sua tia sentia ciúmes da então "garota" e o tio já começava a demonstrar investidas abusivas. É então que, aos 14 anos e com um histórico escolar envolvendo brigas, consumo de álcool e outras drogas recreativas, que o jovem chega à FEBEM sob a denuncia da própria tia. 

É na fundação que ele se descobre como um homem transexual, e adota o nome de Anderson Herzer, mais conhecido pelo apelido de Bigode. Também é no internato que grande parte de sua vida se desenvolve e que nos é transmitida através de um relato cheio de violência advindo dos superiores, os relacionamentos que o mesmo viveu e a sua busca constante pela liberdade em meio à fugas que o levaram sempre de volta à prisão.


Sua identidade de gênero, e as dos demais tratados como "machões", são sempre levadas como brincadeira pelos superiores, principalmente quando esses são do sexo masculino ao contestarem e afirmarem que não se tratam de homens de verdade porque possuem "duas bolas".
"Estas palavras me ardiam ao fundo da razão, como seria o mundo se todos os homens trouxessem sua virtude, seu caráter no formato de duas bolas?" (p.115)
Da mesma forma, o autor relata o menosprezo do amor homossexual: "[...] será que deve ser desprezado somente por um amor que a sociedade não aceita? Mas a própria sociedade também cultiva este modo de amar." (p. 124).

A obra é dividida em duas partes, a primeira, e mais extensa se atém ao seu relato, já na segunda temos então a faceta do autor como poeta. Seus poemas falam das dores sofridas, dos anseios de futuro e o desengano com a vida. Apesar de carregarem a melancolia de suas vivencias, também trazem belos textos que falam de amor, saudade e o desejo de um mundo melhor e unido.
Encontrando o que se quer
Eu queria ser da noite o sereno
e umedecer o vale seco e pequeno.
Eu queria, no dia claro, luzir
para ao amor todo o povo conduzir.
Eu queria que branca fosse a cor da terra
E não vermelha para inspirar a guerra.
Eu queria que o fogo me cremasse
para ser as cinzas de quem hoje nasce.
Eu queria que os belos poemas fosse de Deus
para neles encontrar as virtudes dos irmãos meus.
Eu queria, como queria, saber perder
para de ti, agora, tanta saudade não ter.
Eu queria morrer nesse instante sozinho
para novamente ser embrião e nascer
- eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver!

A vida é mais dolorosa para aqueles que nasceram com o dom da sensibilidade e através de suas palavras. Hazer faz um relato direto, denunciando abusos sem poupar detalhes e é por meio dele que podemos entender melhor a perspectiva e as necessidades daqueles que estão à margem. Infelizmente, mesmo com o auxílio do então deputado estadual Eduardo Suplicy,  Herzer não suportou a dor do mundo e cometeu suicídio aos vinte anos.

cena de Vera, 1986, Ségio Toledo

Em 1986, é lançado o filme Vera, drama biográfico baseado vida do Herzer digirido e escrito por Sérgio Toledo. A obra conta com Ana Beatriz Nogueira no papel principal, a qual venceu o Urso de Prata, como melhor atriz e trilha sonora premiada de Arrigo Barnabé, Roberto Ferraz e Tércio da Motta. 

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Ficha técnica: 

Título: A queda para o alto | Autor: Anderson Herzer | Editora: Vozes| Edição: 17 | Ano: 1988 | Gênero: autobiografia e poesia | Páginas: 200| ISBN: 853260384X 
Resenha de número: 440

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