A Brincadeira Favorita, de Leonard Cohen

 O poeta e cantor Leonard Cohen, em 1959, então com 25 anos, se isolou em Londres e na ilha grega de Hydra para se dedicar a escrita. Desse retiro saiu em 1963 o romance A brincadeira favorita, seu primeiro incurso na ficção e que também explora traços autobiográficos. Seu segundo romance foi escrito três anos depois, intitulando-se Beautiful Losers (ainda inédito no Brasil).


"Nos sonhos aprendia-se a verdade de que todas as boas obras são feitas na ausência de um carinho." p. 158
A brincadeira favorita é um romance de formação que segue em terceira pessoa, mas também trazendo fluxo de consciência, a vida do jovem Lawrence Breavman, tanto lidando com a descoberta da sexualidade, seus diversos relacionamentos com mulheres, quanto a morte do pai, um ex-combatente que voltou com sequelas físicas da Segunda Guerra Mundial, e o relacionamento difícil com sua mãe, a qual entra num estado de loucura.

Os primeiros anos de Breavman são descritos num subúrbio judeu em Montreal, Canadá, com seu forte interesse por hipinose e já pelas mulheres. As primeiras paqueras são para ele um passa tempo, objetivos a serem conquistados e que ele discute com Krantz, seu melhor amigo, em apostas para ver quem se dá melhor com alguma garota. Já adulto se torna um poeta de certo reconhecimento e se muda para Nova York, onde conhece uma mulher que parece romper seu estado de solipsismo.


Beavman é um personagem egoísta, que apesar de ter lábia para se relacionar com as mulheres que deseja, faz isso sem pensar muito nas consequências, numa espécie de filosofia que busca aproveitar o agora e deixar o amanhã ao Deus dará. É nítida sua contemplação ao corpo feminino, enquanto objeto e fonte de inspiração para construção de seus poemas sobre o tema, um tanto quanto misógino, mas não colocado aqui a troco de nada.
"Amizade? Uma amizade entre um homem que não seja baseada em sexo ou é hiprocrisia ou masoquismo. Quando vejo o rosto de uma mulher transformado pelo orgasmo que atingimos juntos, aí sei que nos conhecemos. Todo o resto é ficção. Esse é o vocabulo que usamos hoje em dia. É a única língua que resta." p. 127
No momento em que um verdadeiro amor aparece, Beavman age com ingenuidade e se isola numa solidão que não só machuca a ele mesmo, mas também as amantes, os amigos e sua própria mãe. Aliás, esse relacionamento com a mãe é podre, baseado no abandono e indiferença por parte dele. Algumas das partes mais tristes do romance são quando há interação entre mãe e filho:
"Olhei no espelho hoje e não me reconheci, rugas de preocupação, de tantas noites pensando no meu filho, se mereço isso, quinze anos com um homem doente, um filho que não se importa se a mãe caiu dura no chão, uma prostituta não seria para o filho o que sou, porque tenho tudo, porque como chocolate todo dia, se tenho diamantes por tudo o que eu sacrifiquei, quinze anos, e pedi algum dia alguma coisa para mim, uma russa com duas pernas quebradas, uns tornozelos tão inchados que o médico ficou surpreso, mas o meu filho é incapaz de ouvir a verdade, toda noite fico vendo televisão, alguém liga para o que estou fazendo, eu que fui uma mulher feliz, eu era bonita, agora estou feia, as pessoas na rua nem me reconhecem mais, dei a minha vida pelo quê, era muito boa com todo mundo, uma mãe, mãe só tem uma, e por acaso a gente vai viver para sempre, uma mãe é uma coisa frágil, a sua melhor amiga é a sua mãe, se existe uma pessoa no mundo que liga para o que acontece com você é a sua mãe, se cair na rua quem vai acudir é a sua mãe, e, se caio dura, no mundo inteiro você vê as pessoas correrem para ver a mãe, a vida é uma só, o resto é um sonho seu, sorte sua…” - p. 133/134

Beavman parece querer amar mas não sucumbir ao amor, ignora seu próprio desmoronamento emocional e segue adiante numa crença que é só sua. O resultado é um final que lhe dá as consequências das escolhas que o mesmo fez, nos revelando um alerta nesse sentido. Às vezes o medo de nos ater à disciplina do amor nos leva ao abismo; e machuca.
Deus, como ela era bonita. Por que não ficava com ela? Por que não podia ser um cidadão com mulher e emprego? Por que não deveria participar do mundo? A beleza que planejara como um repouso entre solidões agora o levava a se fazer velhas perguntas sobre o isolamento. p. 191
A brincadeira favorita é um romance com personagens improváveis e inesperados. Traz uma boa ambientação da cidade de Westmount, passagens com descrições bonitas e cheia de afeto, bem como outras que dizem muito sem ir direto ao assunto ao falar com sutileza e inteligência de sexo e masturbação. Sua divisão consiste em quatro partes, sendo a terceira e quarta as mais empolgantes, principalmente quando a personagem Shell entra em cena. 


Certamente, é uma estreia poética e positiva de um autor que, caso tivesse dado continuidade a carreira como romancista, teria nos dados outros bons romance para ler. Por outro lado, nos deu belas composições e nos deixou A brincadeira favorita

~.~.~.~.~.~


Criamos uma playlist inspirada neste romance e nas canções que são citadas ao longo da obra. Confira abaixo:

 

~.~.~.~.~.~

Ficha técnica: 

Título: A brincadeira favorita | Autor: Leonard Cohen |  Editora: Cosac Naify | Tradução: Alexandre Barbosa de Souza | Título original: The favorite game (1963) | Edição: 1 | Ano: 2011 Gênero: romance canadense | Páginas: 256| ISBN: 978-85-405-0097-6
Resenha de número: 435



https://open.spotify.com/playlist/4BXqECJ7PHRveElrD73k4Z?si=rpqF9nYeTIOTKKrG77VyNA

Postar um comentário

0 Comentários